sábado, 11 de junho de 2011

Carta de uma vida quase inteira

   Todos que acompanham o blog sabem que eu AINDA não sou vegetariana, como expliquei em outros posts, achei melhor fazer essa transição com calma, mas já dei um grande passo, pois parei de comer a carne vermelha.
   Lendo o site do Projeto Repensar, achei esse texto muito interessante e resolvi compartilhar. Espero que curtam e consigam mudar seu modo de vida.
   Me chamo Thalita e estou há 9 meses e 13 dias sem comer carne vermelha.

Beijos!!!
 
 
Senhor,

assim que nasci, fui trazido para o quarto. Nasci antes da hora e meu corpo nem estava formado por completo. Também não conheci minha mãe, mas disseram que era uma senhora de bom coração. Não tive leite de mãe, não. Aliás, não tive paternidade de nenhum dos lados. Lembro que, quando era menor, uma moça me veio dar as vacinas. Foi o mais perto que tive de uma mãe, mas depois também não a vi mais. Ela vinha, acariciava minha cabeça, dizia que ia ficar tudo bem e ia embora.  Hoje, acho com quase certeza que sou órfão de pai e mãe. Ninguém abandona o filho assim, não, moço.
E que tristeza tem sido a minha vida desde o meu nascimento, convenhamos. Não sei se sabe, senhor, mas fiquei com pés e mãos amarrados durante toda a minha infância. As cordas me machucavam um pouco, mas resisti bem por um tempo. Depois, quando quis levantar e esticar meu corpo pra ver o que tinha de lá da janela, quebraram minhas duas pernas. Não tive direito a medicamento nenhum, atadura nenhuma. Sofri com dor e com choro sendo engolido por muito tempo. Meus ossos são cicatrizados tortos e não consigo andar mais. Às vezes, vejo algumas crianças correndo, brincado, fazendo arte. Sou louco pra correr por esse lugar bonito, mas tento me levantar e a deficiência me impede.
Só não reclamo da fome. Fome eu não passo, não se preocupe. O enfermeiro sempre traz algumas coisas durante o dia. Assim como a outra senhora que vinha me visitar, ele abre meu quarto, me dá um carinho gostoso na cabeça, coloca meu prato no chão – o quarto é vazio de tudo; nem travesseiro tem -, me espera comer e leva de volta. Às vezes, não mata a fome, confesso. Mas vai que um dia eu reclamo e nunca mais me trazem nada?!
Eu não entendo o porque disso. Não que eu tenha tentado saber algum dia, mas ninguém me diz o motivo desse sofrimento todo. Tenho medo, senhor. Quando um dos meninos abriu a boca pra falar algo, abriram o quarto dele, o arrastaram para o pátio e o mataram lá mesmo, na frente de todos nós. Depois, levaram o corpo dele pra longe, pra enterrar. Eu tento dizer as coisas claramente, mas ninguém ouve. Todos preferiram fechar seus ouvidos aos meus gritos e choros. Por isso, calei-me de vez.
Estou, enfim, do lado de fora do quarto. Como aqui fora é bonito, meu Deus do Céu. Um contraste de verde-pasto com vermelho-vinho. Que cores lindas. O Sol, quando bate na grama, é uma beleza. Só o que atrapalha são os gritos. Ai, os gritos. Acho que são meus irmãos lá na frente. Consegue vê-los? Não quero ir sem me despedir deles. Nessas horas, as famílias deveriam ser mantidas juntas. Ao menos pra trocar um papo, saber como foi a vida dos primos, pais, avós. O problema é que nem andar eu consigo; e mesmo se conseguisse, nós estamos sendo puxados por cordas amarradas nos braços. Não tem como fugir.
Mas eu estou feliz num único momento de minha vida. Sentir felicidade é bom. Confesso que preferia ter saído mais vezes, passeado, viajado. Obrigado por, pelo menos, essa. É bom ter saído do quarto, visto o verde. E, senhor, eu te perdoo por ter me trancado. Sei que a culpa não é só sua. Mas, por favor, não se despeça de mim. Sabe que logo meus órgãos estarão no seu prato, suculentos; e meus ossos serão roídos por seus filhos. Acho que dá pra matar saudade assim. Por favor, não se despeça de mim. Não gosto de despedidas. 

por Henrique Resende

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